Salve, pessoal!
Espero que esteja todo mundo bem.
Eu comecei a escrever uma breve reflexão de fim de ano, mas o texto enveredou por uma trilha tão melancólica e tenebrosa, que apaguei tudo. Acho que vocês não precisam de mais alguém soando a trombeta de que estamos zarpando de esquibunda ladeira abaixo e a beirada do penhasco se arreganha toda convidativa para nos devorar.
Até aí, tudo bem.
Que a história acontece em estado de emergência e de calamidade pública, Clarice já havia nos avisado lá atrás.
Ao longo da vida, eu me acostumei a me recolher frente a esse apavoro de se sentir sem saída. A gente olha para um lado, olha para o outro, tenta até espiar lá em cima, vasculhar lá embaixo, e nada. Quando jovenzinho (kkkk), escrever era gostoso, fácil. Depois é que o bicho arreganhou os dentes. Quando a vida me virou do avesso, eu pensei que não tinha mais por que escrever, por isso escrevia. Em algum momento as coisas se embaralharam e em vez de me recolher, eu busquei me refletir nos outros à minha volta. Uma amiga da escola dizia que eu era um camaleão. Ah, mas se ela me visse na vida adulta... A performance do século, o camaleão mais digno de uma estatueta do Oscar. Meio-termo não vi, todo afobado da língua queimada. E mal sobrevivi ao esvaziamento dos meus desejos. O tempo resolve algumas coisas, mas a minha memória de merda é que dá conta do recado.
Dizer que esse ano foi complexo soa até como deboche. Mas também não consigo mais fazer uma retrospectiva do ano sem puxar a década inteira que o precedeu. Sou um historiador insuportável dos meus próprios eventos pessoais. Não posso dizer como me sinto hoje sem abrir vinte parênteses, treze notas de rodapé e listar meio metro de referências para estabelecer os precedentes, o mapeamento das raízes, a taxonomia dos afetos.
Então o que posso fazer é me limitar ao papinho de sempre: fiz coisas incríveis, sobrevivi aos imprevistos, aprendi um monte, tive momentos de muita alegria, outros de profunda frustração, a vida de freela teve suas conquistas, mas em geral continua tão precária quanto sempre foi, estou bem, saudável, feliz, animado, cheio de raiva e deslumbramento, inquieto, cansado, querendo dormir mais um pouco e manter uma rotina regrada, mas ainda louco para varar a madrugada na esperança de que a noite fique enganchada em mim e não termine nunca mais. (Deixa para um transviado dramático querer dobrar os céus para se confortar no escuro e impedir o sol de nascer com a força do ódio.)
Tenho muitos planos descabidos para o ano que vem. E um único objetivo mais concreto que poderia se resumir a conseguir mais trabalho e fazer mais dinheiro. Porque no fim das contas é o dinheiro que vai possibilitar todo o resto. (Queria ser romântico, mas os românticos eram barões, herdeiros, e dessa gente eu só tenho o depravamento.)
Se você me leu em 2023, mesmo que tenha sido só um trechinho de alguma coisa em algum lugar, e gostou e resolveu ficar por aqui, eu agradeço de verdade a sua atenção. Nesses últimos tempos, meu foco tem sido cuidar da saúde, dos tratamentos e da metamorfose. E para quem tem alguns parafusos a mais e outros a menos, a energia pode minguar num susto, a disposição se escafeder sem aviso. Então conjurar um mísero continho estranho virou um esforço hercúleo. Às vezes parece que não me sobra mais nada a não ser manter o corpo funcionando. Eu não tenho por que escrever (a ladeira vai ficando mais íngreme), é um disparate (olha o penhasco ali), um absurdo (a bunda tá doendo e nem é por um bom motivo). Então é claro que seguirei escrevendo. Ladeira abaixo, penhasco adentro, breu a fundo.
Até 2024!
Feliz Ano Novo!